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A Terra do Mar

A terra do mar é um convite a um mergulho – ou vários mergulhos.

O primeiro mergulho é reverso: do fundo do mar para a superfície da terra, do primeiro para o quarto andar. É, sobretudo, uma imersão na produção artística de Poli Pieratti e em sua trajetória, do cerrado brasiliense para o oceano do Rio, o Tejo de Lisboa e, finalmente, a chegada à concreta São Paulo. Elemento onipresente nas obras de Poli, a água inicia sua fusão com o elemento-terra.

A tela localizada neste andar é inspirada nas piscinas de Brasília (apenas uma autóctone representaria a capital federal com elementos aquáticos). Ao emergir, o visitante é convidado a um segundo mergulho, agora na história deste prédio que, em 1917, foi palco da Exposição de pintura moderna de Anita Malfatti, marco no curso da história da arte brasileira – e um desvio na carreira da artista que, incompreendida por uma incipiente crítica conservadora ainda confusa com expressionismo e impressionismo, condenou-a à reclusão e a uma mudança de rota. Não puderam, no entanto, conter o inevitável movimento modernista.

No quarto andar, Poli inunda de água do mar uma infrequente paisagem de Anita Malfatti. As telas A onda e a ventania I e II encaram o Theatro Municipal, outra peça do quebra-cabeça modernista, palco da Semana de Arte Moderna de 22. Outra pintura faz alusão às origens de Malfatti, uma releitura de seu Burrinho correndo, considerada a primeira tela da artista, de 1914. Junto dela, obras que invocam as origens de Poli, em cenários de sua cidade natal, entre rizomas e cartografias, e onde água e terra novamente se permeiam sem hierarquia definida.

Esta fusão de elementos tão vitais resulta em águas barrentas, onde a intuição é quem guia, permitindo que a técnica seja “um trampolim (…) para nosso salto ideal”, nas palavras de Mário de Andrade sobre o mergulho em Malfatti. Em A terra do mar, a água deixa de ser o espelho “prateado e exato” de Sylvia Plath; não reflete mais apenas o rosto de sua pintora e passa a estender-se adiante como solo fincável, um tempo pré-terra-firme. Trata-se do simbólico da passagem do estado líquido para o sólido, em um movimento vertical, das camadas mais etéreas da atmosfera rumo à densidade pulsante do centro do planeta – fazendo lembrar que embaixo do mar há terra.