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OBSCURA

OBSCURA é o interior de uma câmera escura que reproduz os bastidores do mundo digital, lugar ainda desconhecido para muitos e que, paradoxalmente, parece saber mais sobre nós que nós mesmos. Vivemos na era dos dados. Se nos beneficiamos desta extensa – e assustadoramente profunda – rede, ela também revela o que nos tornamos como sociedade: nada é dado, tudo são dados.

O eixo principal desta exposição diz respeito ao par dado e memória, aproximação que ganha mais força hoje, quando substituímos nossa memória por dados ou permitimos que ela seja extrapolada para um padrão capaz de nos fazer viver eternamente como inteligência artificial – somos memória. Por outro lado, a proteção de lembranças em forma de dados garante sua reprodução na mesma medida em que a escrita fez pela tradição oral. Neste sentido, a obra de Giselle Beiguelman, Perguntas às Pedras, Série 2, abre esta exposição questionando os motivos que nos levam a conservar algumas lembranças em detrimento de fatos esquecidos ou apagados. Não deixa de evidenciar o presente medo universal: não mais de termos a intimidade devassada e sim de sermos esquecidos.

A obra casa/rio, instalação sonora de Anelena Toku feita a partir de sons captados aqui na Vila Itororó e em outros espaços históricos de São Paulo, nos faz refletir acerca do sentido da nossa memória e sobre como dados são ecos involuntários de nós, assim como sons de um curso d’água, uma pedra ao ser percutida ou o vácuo.

Representação antropomórfica deste sistema, a personagem criada por Vitória Cribb no vídeo _Enxerga vive no back-end rastreando e codificando dados. O antigo dispositivo panóptico se pulverizou e hoje os vigilantes digitais enxergam através dos nossos olhos, graças à incessante necessidade de represar e compartilhar toneladas de memórias em forma de dados. Mas com quem?

Estamos todos conectados. Não apenas no inconsciente coletivo junguiano, mas por uma opulenta rede de conexões virtuais. Oráculo do Desconhecido, de Camila Crivelenti, é uma cartomante do século XXI que aporta, além de sua mensagem gráfico-simbólica, a interrogação “afinal, no algoritmo e na vida, há aleatoriedade?”

É oportuno tratarmos destes temas aqui na Vila Itororó. Seus cem anos de história são marcados por diversos processos e tensões, preservação e apagamento. Nem toda memória compõe um banco de dados. Se a ausência de luz na escuridão dificulta a visão, o excesso de claridade também ofusca. Que o contraste entre o universo escuro, atemporal e imaterial de OBSCURA com o mundo solar, histórico e material da Vila seja um convite para refletirmos sobre o uso dos dados e da preservação da memória.